Pouco leite, muito sal: cenário nutricional das crianças em SP

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Uma nova pesquisa mostra o problemático cenário nutricional pelo qual passam crianças da Grande São Paulo. O estudo The Infant and Kids Study, obtido em primeira mão pelo blog Cadê a Cura?, foi feito pelo Ibope a pedido da Nestlé e apontou, entre outras coisas, que metade das crianças de 0 a 12 anos está acima do peso e que há muito sódio e pouco cálcio em suas dietas.

Um dos possíveis motivos desse cenário é a baixa quantidade de atividade física e elevado tempo gasto na frente de telas. Metade das crianças é sedentária, especialmente antes dos 5 anos de idade, onde o índice pode chegar aos 90%.

Quase 50% das crianças entre um e dois anos já ficam mais de duas horas na frente de uma tela diariamente. Daí em diante, o fenômeno só aumenta: na faixa dos 7 aos 12 anos, 75% dos jovens ficam mais de quatro horas por dia grudadas em TVs, tablets e celulares.

Muito desses comportamentos e também aqueles referentes à nutrição refletem os comportamentos da família, afirma a nutricionista Isa Jorge, da Faculdade de Saúde Pública da USP. “São dados alarmantes”, diz.

Na prática, o cenário da pesquisa –feita com 1.000 famílias, com representatividade de todos os níveis socioeconômicos– mostra a consolidação de um cenário ruim para a saúde pública. Segundo dados do IBGE, em 1974-75 havia 14% de sobrepeso/obesidade em crianças de 5 a 9 anos no país. Em 1989, o índice subiu para 19% e na pesquisa de 2008-09 foi para 51%, índice semelhante ao observado na pesquisa da Grande São Paulo, para crianças dos 0 aos 12.

 

SÓDIO

Dois dos achados que mais preocupam são o alto índice de sódio e o baixo de cálcio na dieta.

A recomendação diária de sódio é de 2 gramas, o que equivale a mais ou menos 5 gramas de sal de cozinha. A meta é superada por 47% das crianças entre 1 e 3 anos, e por mais de 70% nas faixas etárias seguintes.

Somado aos altos índices de gorduras, presente nas dietas de 29% das crianças, o alto consumo de sódio pode fazer com que as crianças “antecipem” as doenças de adulto, como colesterol elevado e hipertensão.

Curiosamente, a fração de dietas hiperlipídicas é praticamente a mesma que as dietas que contém menos gordura do que deveriam (27%). Os motivos disso são mais difíceis de se imaginar, visto que não há, pelo menos por enquanto, um detalhamento de quais alimentos aparecem nessas dietas.

Para o caso de excesso de gordura e de açúcares (9%) é mais fácil imaginar os motivos. “Tem criança de um ano que já bebe mamadeira de Coca-Cola, come batata frita e salgadinhos industrializados. A gente deveria trabalhar com a população para evitar ao máximo esse tipo de alimento, principalmente no começo da vida”, diz Isa.

O problema, explica a nutricionista, é o paladar infantil, especialmente nos primeiros dois anos de vida, que pode “aprender” a gostar só do que não deve. “Depois que come um salgadinho [que geralmente contém quantidade elevada de gordura e sódio], qualquer outra coisa fica sem graça”, explica.

Outra preocupação: as crianças não tomam mais tanto leite. Na faixa dos 9 aos 12 anos o déficit de cálcio é de 84%.

Uma possível explicação é a grande quantidade de pessoas que se dizem “intolerantes à lactose” [açúcar presente no leite], afirma Isa. A falta pode trazer prejuízos para a arquitetura óssea da criança, “o que pode facilitar o desenvolvimento de osteoporose no futuro, especialmente em meninas”.

 

INDÚSTRIA

Segundo Andre Barros, gerente de nutrição, saúde e bem-estar da Nestlé, o dado foi uma surpresa: “Achávamos que o brasileiro era um bom consumidor de leite”, diz.

Para ele, a empresa, que já está analisando os dados há alguns meses, deve continuar apostando na readequação de seus produtos à demanda da população, com menos gordura e açúcares e mais fibras, por exemplo.

Também há a tentativa de associação de alguns produtos a uma vida mais ativa, como a Copa Nescau, que promove a prática esportiva de futsal, basquete, handebol e vôlei.

Outras iniciativas como o movimento Unidos por Crianças Mais Saudáveis visam atingir pais e crianças com objetivo de fomentar comportamentos mais benéficos, como um estímulo ao movimento. “Não só a educação física, mas também o brincar está abandonado, seja por falta de espaço ou por medo de as crianças saírem de casa”, diz Barbara Sapunar, que comanda essa iniciativa da Nestlé.

A empresa já ensaia os próximos passos e deve fazer uma pesquisa que represente toda a população brasileira em um futuro próximo, o que deve ajudar a identificar diferenças e semelhanças entre os desafios nutricionais enfrentados pelas crianças e suas famílias no país.

O desafio de controlar e otimizar o que chega ao estômago dos pequenos não é pequeno. “Já existem medidas para controlar propaganda, mas a família é que precisa prestar atenção naquilo que oferece para suas crianças”, diz Isa. “Se uma criança tem hábitos alimentares ruins, certamente a família não é um bom exemplo.”

Fonte: Gabriel Alves, do Blog Cadê a Cura (folha.com/cadeacura)

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